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Grãos podem ser penhorados na recuperação judicial do produtor rural?
Análise da possibilidade jurídica da constrição de grãos no âmbito da Recuperação Judicial, à luz da Lei e do entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

A recuperação judicial tem sido cada vez mais utilizada por produtores rurais em momentos de crise como uma alternativa para reorganizar as dívidas e manter as atividades. Conforme dados divulgados pelo Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial aumentaram 130,3% (cento e trinta vírgula três por cento) no primeiro trimestre de 2024 quando comparado primeiro trimestre de 2023.

Embora a recuperação judicial possa ser considerada uma medida de respiro momentâneo ao produtor endividado e seja um importante instrumento de combate às crises econômicas-financeiras, trata-se de um instituto complexo, cuja opção precisa ser cuidadosamente calculada, sob pena de acarretar prejuízos severos não apenas ao próprio recuperando, mas também à cadeia produtiva e, consequentemente, à sociedade.

Um ponto controverso relevante para esta análise é o seguinte: os grãos, como a soja, são considerados essenciais e, portanto, impenhoráveis? Muitos produtores em recuperação judicial consideram que sim, mas o entendimento do Superior Tribunal de Justiça tem se pautado em sentido contrário.

Assim, o presente artigo tem por objeto a análise dos elementos legais e jurisprudenciais relacionados à controvérsia.

Inicialmente, é importante ressaltar que uma porção relevante dos créditos que são contraídos no curso da atividade agrária não se sujeita à recuperação judicial. Em outras palavras: estas dívidas não serão renegociadas no processo de recuperação judicial e permanecerão em suas exatas condições. Trata-se dos chamados “créditos extraconcursais”.

É o caso, por exemplo, da Cédula de Produto Rural (CPR) com liquidação física, à qual a Lei n. 8.929/1994 foi expressa ao excluí-la dos efeitos da recuperação judicial; e, do crédito garantido por alienação fiduciária, não sujeito aos efeitos da recuperação judicial por força do art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005.

Nessa toada, a execução dos créditos extraconcursais não se suspende, permitindo a realização de atos de constrição. Uma tese de defesa recorrente para suspender tais atos constritivos é a arguição de que o bem sobre o qual recaiu a penhora é um bem de capital, ou seja, essencial ao desenvolvimento da atividade econômica e ao êxito do processo recuperacional.

No entanto, há dois apontamentos importantes acerca do bem de capital. O primeiro é o fato de que, com o advento da Lei n. 14.112/2020, a competência do juízo da recuperação judicial para impedir a penhora de bens de capital se exaure com o fim do período de blindagem (stay period), consoante já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, conforme excerto da ementa a seguir destacada:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO EXTRACONCURSAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ATOS EXPROPRIETÁRIOS. COMPETÊNCIA. JUÍZO DA EXECUÇÃO. PERÍODO DO STAY PERIOD. EXAURIMENTO. PENHORA. BEM ESSENCIAL DE CAPITAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. CONSTRIÇÃO. REAPRECIAÇÃO. JUÍZO RECUPERACIONAL. AFASTAMENTO. […] 4. Após a vigência da Lei nº 14.112/2020, a competência do Juízo recuperacional para sobrestar o ato constritivo realizado no bojo de execução de crédito extraconcursal se restringe àquele que recai unicamente sobre bem de capital essencial à manutenção da atividade empresarial e a ser exercida apenas durante o período de blindagem (stay period). Precedente .5. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no REsp: 1998875 DF 2022/0120082-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 13/05/2024, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/05/2024) (Grifo Nosso)

O segundo fato diz respeito às dificuldades de classificação dos bens essenciais inerentes à atividade rural, especificamente no que diz respeito aos grãos.

A despeito da alegação recorrente dos produtores de que os grãos provenientes da atividade agrícola sejam impenhoráveis no curso da recuperação judicial, esse não é o entendimento que tem se construído na jurisprudência, haja vista que os grãos são o produto final da atividade agrícola.

O bem de capital deve ser aquele indispensável à continuidade da atividade econômica, não se confundindo com o próprio resultado da atividade, “são aqueles utilizados na produção de outros bens, especialmente bens de consumo […] são bens que atendem a uma necessidade humana de forma indireta, pois são empregados para gerarem aqueles bens que a isso se destinam”.

Dessa forma, pode-se dizer que são bens essenciais, por exemplo, os maquinários utilizados no processo produtivo, como o trator ou a colheitadeira, que são itens indispensáveis à produção do grão enquanto produto final.

Cumpre observar, pois, o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, ao não reconhecer a essencialidade dos grãos ao desenvolvimento da atividade rural:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL E EXECUÇÃO CÍVEL. CEDULA DE PRODUTO RURAL . ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRODUTO AGRÍCOLA. GRÃOS DE SOJA. INAPLICABILIDADE DA PARTE FINAL DO ART . 49, § 3º, DA LEI 11.101/05. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO CÍVEL PARA PROSSEGUIR COM A DEMANDA AJUIZADA EM FACE DO PRODUTOR RURAL. […] 2. Consoante a jurisprudência do STJ, se determinado bem não puder ser classificado como bem de capital, ao juízo da recuperação não é dado fazer nenhuma inferência quanto à sua essencialidade para fins de aplicação da ressalva contida na parte final do § 3º do art . 49 da Lei 11.101/05. Os grãos cultivados e comercializados (soja) pelo produtor rural – como na hipótese – são o produto final da atividade empresarial por ele desempenhada e, por isso, não atraem a incidência da ressalva prevista na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11 .101/2005.3. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt nos EDcl no CC: 203085 SP 2024/0052584-4, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 01/10/2024, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 04/10/2024) (Grifo Nosso)

Por conseguinte, percebe-se que os grãos são penhoráveis mesmo durante o processo de recuperação judicial. Logo, tem-se que, apesar de um excelente instrumento para a recuperação financeira do produtor rural endividado, a recuperação judicial pode ser ineficaz a depender do cenário em que este se encontra.

Portanto, é imprescindível que se pondere a natureza dos créditos devidos, tendo em consideração que os bens de capital apenas não podem ser penhorados por dívidas extraconcursais durante o período de blindagem e que, ainda assim, os grãos não têm recebido tal proteção ao serem considerados como produto final da atividade.

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