Uma decisão recente do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJ-MT) trouxe um alerta importante para quem atua no agronegócio e, principalmente, para os credores que enfrentam dificuldades para receber seus créditos de produtores rurais em recuperação judicial.O Tribunal deixou muito claro que o simples fato de ser casada com um produtor rural não garante à esposa o direito de participar do processo de recuperação judicial. Para estar protegida pelos efeitos da recuperação, a esposa — assim como o marido — precisa comprovar que exerce atividade rural de forma regular e contínua, por pelo menos dois anos, conforme exige o art. 48 da Lei nº 11.101/2005.
Análise de caso
No caso analisado (AI nº 1027232-50.2024.8.11.0000), o TJ-MT entendeu que, para que a esposa seja incluída no polo ativo da recuperação judicial, é indispensável que demonstre sua atuação individualizada na atividade rural, não sendo suficiente o mero vínculo conjugal. A decisão foi clara:
“É indispensável a demonstração de que o cônjuge participa ativamente da atividade rural ou integra a estrutura empresarial da produção rural, não bastando, para sua inclusão na recuperação judicial, o mero vínculo conjugal com o produtor.”
(TJMT – AI nº 1027232-50.2024.8.11.0000, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Marilsen Andrade Addario, j. 05/02/2025, publ. 19/02/2025)
Esse entendimento modifica, na prática, a dinâmica de muitos processos de recuperação judicial envolvendo produtores rurais. É comum que marido e esposa assinem juntos contratos de financiamento, CPRs, empréstimos bancários ou garantias reais. Contudo, a assinatura conjunta não garante à esposa a proteção da recuperação judicial. Se ela não comprovar que exerce atividade rural de forma autônoma ou integrada à estrutura produtiva, permanece como devedora ou avalista e continua sujeita às cobranças judiciais.
No caso concreto, o TJ-MT observou que a esposa do produtor rural não apresentou nenhum documento que comprovasse sua atuação rural. Não havia Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), empregados registrados, nem movimentação contábil. Sua declaração de imposto de renda sequer indicava atividade rural — constando apenas como empresária de outro ramo. Além disso, a documentação exigida pelos artigos 48 e 51 da Lei 11.101/2005 não foi apresentada de forma adequada.
Esse cenário favorece diretamente os credores. Isso porque, enquanto o produtor está protegido pela recuperação, negociando prazos e condições, a esposa, se excluída do processo, permanece plenamente executável. Os contratos que ela assinou como devedora ou avalista mantêm sua força, e o credor pode seguir com a cobrança, inclusive atingindo bens garantidores.
Recomendações aos advogados
É importante que os advogados que representam credores estejam atentos a esse ponto. Em casos em que a esposa figure como coobrigada nos contratos, mas não haja documentação que comprove sua atuação efetiva na atividade rural, é possível requerer sua exclusão do polo ativo da recuperação judicial, o que permite retomar a cobrança diretamente contra ela, inclusive com ações de execução ou cumprimento de sentença. Já os advogados dos devedores, por sua vez, devem redobrar a atenção no momento de incluir a esposa no pedido de recuperação.
A recomendação é reunir, desde logo, provas robustas da atuação efetiva dela na atividade rural — como contratos firmados em nome próprio, documentos fiscais, movimentações bancárias, declaração de imposto de renda com indicação de atividade rural, entre outros. A ausência desses elementos compromete a legitimidade e pode resultar na exclusão da proteção judicial.
Sob o ponto de vista técnico, vale lembrar que o art. 971 do Código Civil permite ao produtor rural, mesmo sem registro prévio como empresário, ser equiparado a tal, desde que comprove o exercício regular da atividade. Essa comprovação, porém, é exigida individualmente. Ou seja, cada pessoa física que pretenda integrar o polo ativo da recuperação deve demonstrar que atua, de forma autônoma ou integrada, na atividade rural.
Considerações finais
A decisão do TJ-MT traz um precedente importante e uma mensagem clara: a recuperação judicial não pode ser usada como escudo automático para proteger todo o núcleo familiar, sem atender aos requisitos legais. Cada envolvido precisa comprovar, documentalmente, que exerce atividade rural de forma regular.
Essa realidade exige mais estratégia dos credores e mais responsabilidade dos produtores. Saber identificar quem realmente tem direito à recuperação judicial pode ser determinante para o sucesso de uma cobrança no agronegócio — especialmente em um cenário onde a inadimplência e os pedidos de recuperação seguem em alta.
Referências
Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências), TJMT – Agravo de Instrumento nº 1027232-50.2024.8.11.0000,
STJ – REsp 1.800.032/MT,
STJ – REsp 1.947.011/MT.