O que a alta do café revela sobre os riscos contratuais?

No início de 2025, o mercado cafeeiro brasileiro foi marcado por uma disparada no preço da saca do arábica, que atingiu o maior patamar desde 2011. De acordo com levantamento divulgado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre março de 2024 e de 2025, o preço do café moído registrou alta de 77,78%. Essa variação nos preços, ainda que significativa, não configura evento extraordinário e imprevisível capaz de justificar a revisão contratual. O agronegócio, considerado uma “indústria a céu aberto”, tem o risco como elemento intrínseco às suas operações. Contratos de venda antecipada e a lógica do risco Ao firmarem contratos de venda antecipada, que envolvem a comercialização de grãos ainda não colhidos ou mesmo não plantados, os produtores assumem, de forma consciente e voluntária, riscos físicos, operacionais e financeiros que integram a equação econômica da avença. Esses contratos são firmados por múltiplas razões, como a mitigação da volatilidade de preços e a captação de recursos para o custeio da safra. Nessa lógica, o risco — longe de ser circunstância excepcional — compõe o próprio objeto da obrigação contratual assumida pelas partes. Contudo, diante da expressiva valorização da commodity, muitos produtores se veem diante da possibilidade de deixar de cumprir os contratos firmados anteriormente – por exemplo, em março de 2024 – e comercializar os grãos no mercado à vista com margens mais elevadas. Inadimplemento eficiente: teoria e controvérsias Nessas hipóteses, parece ser, ao menos em tese, economicamente mais vantajoso descumprir o contrato, arcar com a cláusula penal estipulada e revender o produto com margem superior. Essa lógica encontra respaldo na teoria do inadimplemento eficiente (efficient breach). Segundo essa teoria, desenvolvida no contexto da análise econômica do direito, a multa contratual funcionaria como alternativa economicamente racional ao cumprimento da obrigação, conferindo ao devedor a possibilidade de escolher entre cumprir ou pagar (POSNER, 2009). Neste modelo, típico dos sistemas de common law, o pagamento da cláusula penal extinguiria o vínculo obrigacional, legitimando o inadimplemento voluntário. No ordenamento jurídico brasileiro, contudo, a lógica do efficient breach é alvo de críticas substanciais por: Efeitos sistêmicos: quando o oportunismo afeta a cadeia Nesse contexto, a ideia de que o devedor poderia se liberar da obrigação principal mediante o simples pagamento da cláusula penal estimula condutas oportunistas, compromete o dever de cooperação entre as partes e transforma a obrigação em instrumento de especulação econômica. Em muitos casos, especialmente no agronegócio, os credores possuem legítimo interesse na entrega dos grãos ajustados, cuja função não é apenas econômica, mas instrumental à execução de obrigações subsequentes assumidas em cadeia. O inadimplemento do produtor, somado à dificuldade de aquisição de grãos no mercado spot — seja por questões de escassez, elevação de preços ou perda de competitividade —, pode comprometer o cumprimento tempestivo de contratos firmados com terceiros, acarretando, em efeito dominó, novos inadimplementos e gerando instabilidade em toda a cadeia produtiva. Abuso de direito e os limites do contrato O inadimplemento deliberado, ainda que acompanhado do pagamento da penalidade estipulada contratualmente, pode configurar abuso de direito. Nessa perspectiva, ao descumprir voluntariamente a obrigação, o devedor extrapola os limites do exercício regular de seus direitos, conferindo à relação contratual finalidade distinta daquela acordada pelas partes e daquela economicamente e socialmente esperada. Nessas circunstâncias, sua conduta caracteriza ato ilícito, nos termos do artigo 187 do Código Civil. As repercussões de condutas dessa natureza transcendem o âmbito das relações privadas. No setor agroindustrial, a quebra deliberada de contratos compromete a confiança entre os agentes da cadeia produtiva, desestimula a formalização de novas operações e restringe significativamente o acesso ao crédito rural. Conforme pesquisa conduzida por Christiane Leles Rezende e Décio Zylbersztajn (2011), o inadimplemento estratégico gera instabilidade nas relações econômicas e comerciais, resultando em maior exigência de garantias para operações de crédito e custeio, dificuldades adicionais nas negociações com tradings e revendas, além da retração nos contratos de venda antecipada. O preço da escolha e o valor da confiança Em períodos de forte valorização da commodity, a exemplo do ocorrido com a safra de café entre 2024 e 2025, o inadimplemento eficiente, na prática, revela-se ineficiente do ponto de vista sistêmico. Quando o contrato passa a ser tratado como simples alternativa econômica, em detrimento da prestação pactuada, compromete-se a lógica de confiança que sustenta as operações antecipadas no agronegócio. A disseminação dessa conduta enfraquece a previsibilidade econômica, restringe o acesso ao crédito e desestabiliza as relações comerciais do setor. Referências: BURANELLO, Renato. Manual do direito do agronegócio. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. FORGIONI, Paula. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. G1. Café fica 77% mais caro em um ano, segundo IBGE. Rio de Janeiro, 11 abr. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2025/04/11/cafe-encarece-77percent-em-um-ano-na-inflacao-de-marco-segundo-ibge.ghtml. Acesso em: 11 abr. 2025. PELA, Juliana Krueger. Inadimplemento eficiente (efficient breach) nos contratos empresariais. Revista de Direito das Garantias Reais e Pessoais, v. 3, n. 1, p. 77–88, 2016. POSNER, Richard A. Let’s never blame a contract breaker. Michigan Law Review, Ann Arbor, v. 107, n. 8, p. 1349–1363, jun. 2009. REZENDE, Christiane Leles; ZYLBERSZTAJN, Décio. Quebras contratuais e dispersão de sentenças. Revista Direito GV, São Paulo, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdgv/a/xM6F9gFC77psLbjWGzC6DPB/.
Licença ambiental inválida ou falsa: o produtor pode ser multado mesmo agindo de boa-fé?
Análise jurídica da boa-fé e do elemento subjetivo nas infrações ambientais aplicadas por licenciamento irregular emitido por municípios

Imagine o seguinte cenário: o produtor rural contrata uma Consultoria Ambiental especializada, com o objetivo de obter uma limpeza de pastagem sem rendimento e o corte de árvores isoladas. A expectativa do produtor é clara: obter previamente autorização para realização da intervenção na sua propriedade e evitar problemas com o órgão ambiental. O consultor orienta aquele produtor a buscar a regularização ambiental diretamente no Município do imóvel, em razão da atual situação de regularidade do órgão municipal e, como é exigido em alguns Estados, do credenciamento da Secretaria de Meio Ambiente do Município junto ao órgão estadual. Após o protocolo da documentação e projetos necessários, e após o regular procedimento de análise do pedido de autorização, o órgão ambiental municipal emite a licença ambiental. Em seguida, de posse da autorização emitida pelo Município, o produtor realiza a intervenção no imóvel, acreditando estar regularizado perante a legislação ambiental vigente. Passadas algumas semanas, o produtor recebe uma notificação do órgão ambiental estadual; que, após uma fiscalização remota, por imagem de satélite, identificou as intervenções realizadas na propriedade e resolveu por aplicar o respectivo auto de infração para as ações realizadas no imóvel. Sobrevém, agora, o seguinte questionamento: este licenciamento ambiental prévio junto ao município, aparentemente regular, poderia afastar a aplicação da multa pelo órgão ambiental estadual? A resposta correta é: DEPENDE! Antes de chegarmos a uma conclusão definitiva, é preciso fazer breve digressão à natureza jurídica das infrações ambientais e, em seguida, analisar as nuances do caso concreto para se é possível afastar a aplicação do auto de infração. Sabe-se que as infrações ambientais se inserem na seara do direito administrativo sancionador, sujeitando-se a seus princípios gerais. Com relação à natureza jurídica, a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva; matéria, inclusive, já pacificada pelo STJ. Em razão dessa natureza subjetiva para caracterização da infração, mostra-se necessária a demonstração do elemento volitivo do agente responsável pelo dano, consubstanciado pelo dolo ou pela culpa. Em outras palavras: ao se aplicar um auto de infração por suposta intervenção sem licença, é preciso comprovar que aquele produtor agiu com plena consciência do ato ou mesmo agiu de forma negligente ou imprudente para concorrer com aquele dano. No que diz respeito ao dolo, é preciso que o agente, produtor rural, atue com consciência da conduta e do resultado, além de ser necessária a exteriorização da vontade de realizar a conduta e, assim, produzir o resultado esperado. Vale dizer: ciente de que precisava de uma autorização para realizar o desmatamento, ele optou por avançar sem a obtenção prévia do documento. Por outro lado, já a culpa é o comportamento voluntário tido como descuidado, que é voltado a um determinado ilícito, e apesar de não ser desejado, podia ter sido evitado. Somente aquele que viola o dever de cuidado estabelecido de forma prévia por Lei poderá ser responsabilizado na modalidade culposa. Ao retomarmos a análise do caso concreto, percebe-se que, quando se tratar de produtor que obteve uma licença inválida, apesar de acreditar ter sido corretamente emitida pelo município, ou mesmo quando se obtém uma licença falsa, ele desconhece o carácter de falsidade ou invalidade daquele documento, atuando, assim, com boa-fé, e engado pelo falsificador ou mesmo induzido a erro pelo equívoco do órgão ambiental municipal. Nota-se que o próprio órgão ambiental se declarou competente para a emissão da licença, bem como estava devidamente regular quanto aos aspectos burocráticos junto ao órgão estadual, além de emitir licença compatível com a tipologia do pleito requerido (autorização para o corte de árvores isoladas para uma área de pastagem com árvores isoladas, por exemplo). Em suma: o produtor acreditou ter buscado o órgão correto, e o próprio órgão se considerou como competente e apto para emissão daquele ato administrativo. Quando o contexto do caso concreto revelar que o produtor desconhecia a situação de invalidade ou falsidade daquele documento, ou mesmo quando ele não poderia evitar aquela situação (erro invencível), é possível afastar o caráter volitivo e, assim, fica caracterizado o esvaziamento do elemento subjetivo: não houve dolo ou culpa para o cometimento daquela infração. Nota-se que para configurar essa situação, é preciso que perquirir que o erro não poderia ter sido evitável. Nos casos em que seria de fácil constatação esses sinais de irregularidade, não é possível afastar a aplicação da sanção, por caracterizar a negligência ou mesmo imprudência do agente naquela conduta. Como exemplo, podemos citar a grosseria da falsificação ao se obter uma licença com um número limitado de informações e emitida de forma genérica; a promessa de liberação “fácil” dentro do órgão ambiental; a falta de idoneidade do profissional que se buscou contratar; tudo isso levar a crer que aquele erro poderia facilmente ter sido identificado previamente. Por fim, para configurar essa hipótese de afastamento da responsabilidade do agente autuado, é indispensável que o produtor rural não tenha participado ou concorrido para a emissão ou mesmo a elaboração dessa licença ambiental falsa. Conclui-se, portanto, a depender das situações do caso concreto, que a licença ambiental considerada inválida, e também aplicável para os casos de licença ambiental falsa, pode afastar a responsabilidade subjetiva da infração ambiental e isentar o produtor da aplicação da multa ambiental. Referências: REsp 1.401.500/PR, REsp 1.640.243/SC (2017), AgInt no REsp 1.712.989, REsp 1.708.260/SP, AgInt no REsp 1.263.957/PR, AgInt no AREsp 826.046, AgInt no REsp 1.828.167/PR
Como a Reforma Tributária impacta o setor de combustíveis: análise da Lei Complementar nº 214/2025
A nova sistemática do IBS e CBS, o regime monofásico e os efeitos sobre a arrecadação e competitividade do mercado de combustíveis no Brasil

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, bem como da Lei Complementar nº 214/2025 representa um marco na reforma tributária brasileira, visando simplificar e modernizar o sistema fiscal. Nesse sentido, o art. 156-A, §1º, inciso X da Constituição Federal dispõe que o IBS e a CBS não serão objetos “de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas nesta Constituição”. Ou seja, o dispositivo supracitado determina que, em regra, não haverá concessão de benefícios fiscais, como decorrência do princípio da neutralidade e da simplificação tributária. No entanto, apenas quando imperativos de ordem técnica decorrentes de peculiaridade de alguns setores da economia impedem, dificultam ou tornam injusta a tributação na sistemática geral do IVA, serão previstos os regimes específicos de tributação. É o caso do regime específico dos combustíveis, previsto no art. 156-A, §6º, inciso I da Constituição Federal. Vejamos: “§ 6º Lei complementar disporá sobre regimes específicos de tributação para: I – combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que: a) serão as alíquotas uniformes em todo o território nacional, específicas por unidade de medida e diferenciadas por produto, admitida a não aplicação do disposto no § 1º, V a VII; b) será vedada a apropriação de créditos em relação às aquisições dos produtos de que trata este inciso destinados a distribuição, comercialização ou revenda; c) será concedido crédito nas aquisições dos produtos de que trata este inciso por sujeito passivo do imposto, observado o disposto na alínea “b” e no § 1º, VIII;” Vê-se que a reforma tributária manteve a cobrança monofásica para combustíveis. Isso quer dizer que, a exemplo do que já ocorre atualmente com relação ao ICMS, PIS e COFINS incidentes sobre tais operações, o IBS e a CBS sobre os combustíveis somente incidirão uma única vez na cadeia produtiva. Além disso, só serão sujeitos passivos desse regime específico quem estiver no início dessa cadeia, conforme dispõe o art. 176 da Lei Complementar nº 214/2025: “Art. 176. São contribuintes do regime específico de IBS e de CBS de que trata este Capítulo: I – o produtor nacional de biocombustíveis; II – a refinaria de petróleo e suas bases; III – a central de matéria-prima petroquímica (CPQ); IV – a unidade de processamento de gás natural (UPGN) e o estabelecimento produtor e industrial a ele equiparado, definido e autorizado por órgão competente; V – o formulador de combustíveis; VI – o importador; e VII – qualquer agente produtor não referido nos incisos I a VI deste caput, autorizado por órgão competente. § 1º O disposto neste artigo também se aplica ao distribuidor de combustíveis em suas operações como importador.” No entanto, se for comprovada a existência de conluio para o não pagamento dos tributos junto com outros elos da cadeia do setor — como o distribuidor e o varejista — estes serão responsáveis subsidiariamente, de acordo com o art. 177 da mesma lei. Outro ponto que merece destaque, refere-se ao tipo de alíquota adotado. O art. 174 da Lei Complementar nº 214/2025 dispõe que as alíquotas do IBS e da CBS para os combustíveis serão “uniformes em todo o território nacional, específicas por unidade de medida e diferenciadas por produto”. Vale destacar a intenção do legislador ao assim dispor: O referido dispositivo determinou que as alíquotas serão uniforme em todo o território nacional justamente para evitar qualquer desigualdade regional. Além disso, determinou que as alíquotas serão diferenciadas por produto, pois cada produto possui peculiaridades próprias, de modo a exigir carga tributária própria. Por fim, priorizou o uso das técnicas de alíquotas ad rem, em detrimento do uso da técnica ad valorem. Nesse sentido, é conhecido na doutrina, em apertado resumo, que a alíquota ad valorem incide sobre o valor da coisa (conforme a transação), e a alíquota ad rem, por sua vez, incide sobre a própria coisa (valor fixo por unidade de medida – litro, metro cúbico, etc.). Cada alíquota tem as suas vantagens e desvantagens. A vantagem da alíquota ad valorem é sua maior transparência. Com essa técnica, a carga tributária acompanha o valor líquido do produto, o que pode ser interessante em termos de competitividade e preferência dos consumidores. No entanto, como a tributação ad valorem se baseia no preço de mercado do combustível, a arrecadação do imposto ficaria diretamente atrelada às flutuações nos preços internacionais do petróleo e da taxa de câmbio. Isso poderia causar oscilações na receita dos entes federativos, tornando a arrecadação menos previsível e dificultando o planejamento fiscal. Nesse contexto, enquanto a técnica ad valorem estaria sujeita às consequências negativas da volatilidade do setor de combustível, a alíquota ad rem, geralmente mais complexa, é mais conveniente para se blindar às oscilações cambiais (valorização ou desvalorização do real), alterações na cotação do petróleo no mercado internacional e mudanças na política de preços das refinarias. Conclui-se, portanto, que, embora a reforma busque simplificar e modernizar o sistema tributário, é essencial avaliar cuidadosamente os impactos econômicos e setoriais para garantir a competitividade do setor e mitigar efeitos adversos na economia brasileira, tendo em vista o relevante potencial de impacto indireto dos combustíveis em todos os outros setores econômicos.
A Extraconcursalidade das CPRs nas Operações de Barter e os Efeitos da Recuperação Judicial do Produtor Rural
A Extraconcursalidade das CPRs nas Operações de Barter e os Efeitos da Recuperação Judicial do Produtor Rural

O agronegócio brasileiro apoia-se significativamente no crédito privado, especialmente para pequenos e médios produtores. Nesse cenário, as operações de barter, formalizadas por meio da Cédula de Produto Rural (CPR), destacam-se como mecanismos essenciais para viabilizar o acesso a insumos e assegurar a segurança das revendas diante de eventuais processos de recuperação judicial dos produtores rurais. A evolução legislativa e jurisprudencial recentes têm reforçado a extraconcursalidade dessas operações, proporcionando maior previsibilidade ao setor. O Barter e a Cédula de Produto Rural: Fundamentos e Estruturação: O barter é um modelo de financiamento amplamente utilizado no agronegócio, no qual o produtor recebe insumos agrícolas (sementes, fertilizantes, defensivos) das revendas em troca de parte de sua safra futura. Essa operação é formalizada por meio da Cédula de Produto Rural (CPR), instituída pela Lei nº 8.929/1994 e aprimorada pela Lei nº 13.986/2020, conhecida como “Lei do Agro”. A CPR pode ser emitida nas modalidades financeira ou física. No contexto das revendas, a CPR física é predominante, pois representa a promessa de entrega futura de produtos agrícolas. A inclusão de garantias reais, como penhor ou alienação fiduciária, fortalece a posição do credor, assegurando o cumprimento da obrigação pelo produtor. Extraconcursalidade das Operações de Barter e Proteção das Revendas: A segurança jurídica das revendas em operações de barter, especialmente em cenários de recuperação judicial do produtor rural, é um aspecto crucial. O artigo 11 da Lei nº 8.929/1994 estabelece que créditos e garantias vinculados à CPR com liquidação física, em casos de antecipação parcial ou integral do preço ou operações de troca por insumos (barter), não se submetem aos efeitos da recuperação judicial. Isso permite que o credor mantenha o direito à restituição dos bens que estejam em posse do emitente da cédula ou de terceiros, salvo em situações de caso fortuito ou força maior que impeçam a entrega do produto. A jurisprudência tem consolidado esse entendimento. Por exemplo, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) reconheceu a extraconcursalidade de créditos oriundos de operações de barter, permitindo que credores executem suas garantias independentemente do processo de recuperação judicial do devedor. Em decisão inédita, o TJMT autorizou que uma multinacional química executasse a dívida de um produtor rural em recuperação judicial que não entregou parte de sua produção de algodão conforme acordado em operação de barter. Contudo, é importante notar que decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm enfatizado a necessidade de os tribunais analisarem a essencialidade dos bens envolvidos nas operações de barter. Em março de 2025, o ministro João Otávio de Noronha determinou que o TJMT realizasse novo julgamento sobre a concursalidade dos créditos na recuperação judicial, considerando a essencialidade dos grãos para a atividade do produtor rural. Essa decisão ressalta a importância de uma análise detalhada em cada caso para determinar a sujeição ou não dos créditos ao processo de recuperação judicial. Análise do Artigo 11 da Lei da CPR: O artigo 11 da Lei nº 8.929/1994 é fundamental para compreender a proteção conferida aos credores em operações de barter. Ele estabelece que créditos e garantias vinculados à CPR com liquidação física não se submetem aos efeitos da recuperação judicial, especialmente em casos de antecipação de preço ou operações de troca por insumos. Além disso, assegura ao credor o direito à restituição dos bens em posse do emitente ou de terceiros, salvo em situações de caso fortuito ou força maior. Essa disposição legal visa proteger os credores que financiam a produção agrícola por meio de operações de barter, garantindo que possam recuperar os bens ou valores devidos mesmo diante da recuperação judicial do produtor. No entanto, a aplicação prática desse artigo tem gerado debates jurisprudenciais, especialmente quanto à definição da essencialidade dos bens envolvidos e à possibilidade de conversão do crédito em pecúnia, o que poderia sujeitá-lo aos efeitos da recuperação judicial. Benefícios da Estruturação Adequada do Barter para Revendas: Para maximizar a segurança nas operações de barter, as revendas devem adotar práticas jurídicas e financeiras sólidas, tais como: A extraconcursalidade das operações de barter, quando devidamente estruturadas, representa um mecanismo vital para assegurar a segurança jurídica das revendas de insumos agropecuários no Brasil. O respaldo legislativo, especialmente por meio do artigo 11 da Lei da CPR, e o reconhecimento jurisprudencial fortalecem esse modelo de financiamento, reduzindo a exposição ao risco de recuperação judicial e proporcionando maior previsibilidade financeira ao setor. Entretanto, é essencial que as revendas estejam atentas às nuances jurisprudenciais, especialmente no que tange à análise da essencialidade dos bens envolvidos nas operações de barter. A adoção de boas práticas na formalização e garantia das CPRs é imprescindível para assegurar a efetividade das operações e a proteção dos créditos concedidos
A aplicação atual do Estatuto da Terra aos contratos agrários envolvendo grandes empresas do agronegócio
Análise atualizada da jurisprudência revela como os tribunais têm interpretado o direito de preferência, a renovação automática e outros institutos agrários.

Importante precedente do Superior Tribunal de Justiça, ainda no ano de 20161, decidia pela inaplicabilidade do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64) aos contratos agrários que envolvessem o que considerou serem empresas de grande porte do agronegócio. O caso concreto envolvia contrato de locação de pastagem, tido como arrendamento rural, e a matéria discutida girava em torno da existência, e exercício, do direito de preferência na aquisição da área arrendada por parte do arrendatário. A Corte, naquele ensejo, entendeu que o direito de preferência consistiria em norma de natureza protetiva estabelecida com a finalidade de oferecer amparo socioeconômico aos arrendatários e parceiros-outorgantes, polos dos contratos agrários típicos que mereceram especial atenção do legislador de 1964, dada a histórica condição de hipossuficiência que demonstravam até então. O presente artigo visa abordar como vem sendo operada a aplicação do precedente acima mencionado, em outras palavras, como os tribunais nacionais têm entendido a aplicação da lei fundamental em matéria de contratos agrários típicos, arrendamento e parceria, Estatuto da Terra, com especial ênfase no arrendamento rural e no direito de preferência, tanto na renovação do contrato quanto na aquisição do imóvel arrendado. O trabalho é realizado com base em pesquisa jurisprudencial, compreendendo os anos que se seguiram à publicação do acórdão do STJ, 2016 até o presente ano de 2025. O fulcro da pesquisa é de natureza predominantemente expositiva. Pelo que se constata até o momento atual, não houve outro precedente naquela Corte destoando do entendimento fixado há quase dez anos. Como será demonstrado, a maioria dos tribunais pátrios tem seguido a orientação da corte federal, aplicando o quanto ficou decidido por esta na matéria. De início, há acórdão do ano de 2019 proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO)2, que trata de matéria envolvendo a caracterização ou não de determinado contrato como tendo natureza de parceria agrícola. Na oportunidade, o relator, Des. Carlos Alberto França, esclareceu as diferenças básicas entre arrendamento e parceria rural, especialmente, no que diz respeito ao fato de que, no arrendamento, o que é cedido é um uso (e gozo) de caráter livre, ao passo que, na parceria, esse mesmo uso estaria vinculado à certa finalidade, como 1 STJ – REsp: 1447082 TO 2014/0078043-1, Relator.: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 10/05/2016, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2016. 2 TJ-GO 5397761-58.2018.8 .09.0051, Relator: CARLOS ALBERTO FRANÇA, 29 Câmara Cível, Data de também asseverou a questão relacionada ao pagamento do arrendador ou parceiro-outorgante, pontuando que o primeiro recebe quantia determinada de modo prévio, e o segundo recebe uma participação nos lucros e prejuízos da atividade. In casu, o imóvel rural fora cedido com a finalidade específica de cultivo de soja, havendo previsão de partilha progressiva do resultado da atividade entre as partes, entendendo, assim, o Tribunal que o acordo firmado entre as partes não possuiria o elemento fundamental da “quantia certa”, tanto em dinheiro quanto em produtos agrícolas, necessária para que o contrato fosse enquadrado como arrendamento rural. No entanto, tratando o que vem a ser de especial interesse para o presente trabalho, temos que o julgado enfrenta o tema da renovação automática do contrato de parceria agrícola. Segundo o Tribunal, não se pode falar em renovação automática em matéria de contrato de parceria agrícola com prazo determinado, não sendo, desse modo, necessária qualquer notificação com antecedência de 6 (seis) meses por parte do parceiro-outorgante, para que o contrato não seja automaticamente renovado. Nessa linha, a Corte rejeitou o pleito que visava ter o contrato celebrado entre as partes considerado como sendo de arrendamento rural, e assim renovado automaticamente, em razão da inobservância do prazo mínimo para notificação do término do contrário e prevenção da renovação automática. Além da questão associada à caracterização ou não do contrato como sendo parceria, o Tribunal fez uso do precedente de 2016 do STJ, asseverando que não seriam aplicáveis as normas de natureza “protetiva” do Estatuto da Terra em razão de ambas as litigantes possuírem a condição de grandes empresas do agronegócio, relação jurídica que, em matéria de proteções estatutárias, deve ser regida pelo princípio da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda. Com base no julgado, a renovação automática, como também o direito de preferência na renovação, teriam aquela natureza protetiva, podendo ser aplicadas apenas àqueles que realizem a exploração da atividade rural de modo direto e pessoal. Trazemos agora acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) no ano de 20213. Em particular, o acórdão enfrenta o tema da revisão de contratos de parceria agrícola e de compra e venda de cana-de-açúcar, ambos firmados por grandes empresas em recuperação judicial. Nos termos do que restou decidido pelo Tribunal, a parte autora não poderia querer se valer das vantagens (ou normas) protetivas do Estatuto da Terra, com a finalidade 3 TJ-PR – APL: 00019185720148160089 Ibaiti 0001918-57.2014.8 .16.0089 (Acórdão), Relator.: Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, Data de Julgamento: 19/11/2021, 179 Câmara Cível, Data de de limitar o preço da cana, anteriormente fixado. O que pretendia a parte que ingressou com a ação era promover o ajuste da participação do parceiro-outorgado aos percentuais previstos no Estatuto, realizando, dessa forma, uma revisão contratual com base naquele estatuto, revisão essa que restou negada, por força do entendimento da corte federal no sentido de as proteções do Estatuto não serem aplicáveis a grandes empresas do agronegócio. É interessante notar que, além do direito de preferência, da renovação automática, no julgado que ora tratamos, os percentuais de participação do parceiro- outorgante são enquadrados no âmbito das normas protetivas do Estatuto, o que amplia o âmbito de aplicação do precedente de 2016 do STJ, que enfrentou, de modo específico, a questão do direito de preferência do arrendatário na aquisição do imóvel que arrenda e torna produtivo por sua atividade empresarial. Nessa altura, colacionamos julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) de 20224, que abordou, dentre outros assuntos, a relativização da aplicação do Estatuto da Terra, tendo como base a condição de grande empresário rural que possuía
IAC 16 (STJ) e a Regulamentação do Cânhamo industrial no Brasil
Análise de impacto sobre o Julgamento que viabilizou o cultivo nacional para fins medicinais e farmacêuticos.

Que o Brasil é uma potência agrícola e lidera a produção mundial de grãos como soja, milhoe café muitas pessoas sabem, apesar disso, uma espécie cultivada pela humanidade hámilênios teve seu destino alterado recentemente, e é disso que iremos falar neste artigo. O cânhamo, a inofensiva variedade da cannabis sativa que não possui propriedadespsicotrópicas, teve por muito tempo o cultivo impedido por uma interpretação equivocada daLei de Drogas e de normas da Anvisa, equiparando o cânhamo à maconha e ignorandodiferenças no teor do princípio que causa o efeito psicoativo, o THC (tetra hidro canabinol). Após o julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) 16 pelo STJ, em13/11/2024, que estabeleceu um marco regulatório para o cânhamo industrial (Hemp) noBrasil, o momento agora é o de espera pela regulamentação da União, que traráimplicações significativas para o mercado de saúde, agricultura e indústria. A decisão trouxe a licitude do cultivo e comercialização do cânhamo (Hemp) para finsmedicinais e farmacêuticos, condicionada à regulamentação da União em 6 meses.E mais, ao reconhecer a inaptidão do cânhamo para produzir a substância proibida (THC), oSTJ foi além, e também firmou teses que permitem a utilização do cânhamo industrial emoutras cadeias produtivas, como a indústria de alimentos, cosméticos e têxtil. Este movimento está alinhado com a ciência e as mais recentes atualizações legislativasem outros lugares do mundo, já que o cânhamo é uma cultura sustentável, reconhecidapela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) pormelhorar o solo, reduzir o uso de fertilizantes e elevar em até 10% o rendimento de cultivossubsequentes quando é cultivado na safrinha, além de capturar cerca de 15 toneladas decarbono por hectare. Com base nisso, destacam-se os seguintes negócios potenciais para 2025:
Grãos podem ser penhorados na recuperação judicial do produtor rural?
Análise da possibilidade jurídica da constrição de grãos no âmbito da Recuperação Judicial, à luz da Lei e do entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

A recuperação judicial tem sido cada vez mais utilizada por produtores rurais em momentos de crise como uma alternativa para reorganizar as dívidas e manter as atividades. Conforme dados divulgados pelo Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial aumentaram 130,3% (cento e trinta vírgula três por cento) no primeiro trimestre de 2024 quando comparado primeiro trimestre de 2023. Embora a recuperação judicial possa ser considerada uma medida de respiro momentâneo ao produtor endividado e seja um importante instrumento de combate às crises econômicas-financeiras, trata-se de um instituto complexo, cuja opção precisa ser cuidadosamente calculada, sob pena de acarretar prejuízos severos não apenas ao próprio recuperando, mas também à cadeia produtiva e, consequentemente, à sociedade. Um ponto controverso relevante para esta análise é o seguinte: os grãos, como a soja, são considerados essenciais e, portanto, impenhoráveis? Muitos produtores em recuperação judicial consideram que sim, mas o entendimento do Superior Tribunal de Justiça tem se pautado em sentido contrário. Assim, o presente artigo tem por objeto a análise dos elementos legais e jurisprudenciais relacionados à controvérsia. Inicialmente, é importante ressaltar que uma porção relevante dos créditos que são contraídos no curso da atividade agrária não se sujeita à recuperação judicial. Em outras palavras: estas dívidas não serão renegociadas no processo de recuperação judicial e permanecerão em suas exatas condições. Trata-se dos chamados “créditos extraconcursais”. É o caso, por exemplo, da Cédula de Produto Rural (CPR) com liquidação física, à qual a Lei n. 8.929/1994 foi expressa ao excluí-la dos efeitos da recuperação judicial; e, do crédito garantido por alienação fiduciária, não sujeito aos efeitos da recuperação judicial por força do art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005. Nessa toada, a execução dos créditos extraconcursais não se suspende, permitindo a realização de atos de constrição. Uma tese de defesa recorrente para suspender tais atos constritivos é a arguição de que o bem sobre o qual recaiu a penhora é um bem de capital, ou seja, essencial ao desenvolvimento da atividade econômica e ao êxito do processo recuperacional. No entanto, há dois apontamentos importantes acerca do bem de capital. O primeiro é o fato de que, com o advento da Lei n. 14.112/2020, a competência do juízo da recuperação judicial para impedir a penhora de bens de capital se exaure com o fim do período de blindagem (stay period), consoante já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, conforme excerto da ementa a seguir destacada: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO EXTRACONCURSAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ATOS EXPROPRIETÁRIOS. COMPETÊNCIA. JUÍZO DA EXECUÇÃO. PERÍODO DO STAY PERIOD. EXAURIMENTO. PENHORA. BEM ESSENCIAL DE CAPITAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. CONSTRIÇÃO. REAPRECIAÇÃO. JUÍZO RECUPERACIONAL. AFASTAMENTO. […] 4. Após a vigência da Lei nº 14.112/2020, a competência do Juízo recuperacional para sobrestar o ato constritivo realizado no bojo de execução de crédito extraconcursal se restringe àquele que recai unicamente sobre bem de capital essencial à manutenção da atividade empresarial e a ser exercida apenas durante o período de blindagem (stay period). Precedente .5. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no REsp: 1998875 DF 2022/0120082-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 13/05/2024, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/05/2024) (Grifo Nosso) O segundo fato diz respeito às dificuldades de classificação dos bens essenciais inerentes à atividade rural, especificamente no que diz respeito aos grãos. A despeito da alegação recorrente dos produtores de que os grãos provenientes da atividade agrícola sejam impenhoráveis no curso da recuperação judicial, esse não é o entendimento que tem se construído na jurisprudência, haja vista que os grãos são o produto final da atividade agrícola. O bem de capital deve ser aquele indispensável à continuidade da atividade econômica, não se confundindo com o próprio resultado da atividade, “são aqueles utilizados na produção de outros bens, especialmente bens de consumo […] são bens que atendem a uma necessidade humana de forma indireta, pois são empregados para gerarem aqueles bens que a isso se destinam”. Dessa forma, pode-se dizer que são bens essenciais, por exemplo, os maquinários utilizados no processo produtivo, como o trator ou a colheitadeira, que são itens indispensáveis à produção do grão enquanto produto final. Cumpre observar, pois, o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, ao não reconhecer a essencialidade dos grãos ao desenvolvimento da atividade rural: PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL E EXECUÇÃO CÍVEL. CEDULA DE PRODUTO RURAL . ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRODUTO AGRÍCOLA. GRÃOS DE SOJA. INAPLICABILIDADE DA PARTE FINAL DO ART . 49, § 3º, DA LEI 11.101/05. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO CÍVEL PARA PROSSEGUIR COM A DEMANDA AJUIZADA EM FACE DO PRODUTOR RURAL. […] 2. Consoante a jurisprudência do STJ, se determinado bem não puder ser classificado como bem de capital, ao juízo da recuperação não é dado fazer nenhuma inferência quanto à sua essencialidade para fins de aplicação da ressalva contida na parte final do § 3º do art . 49 da Lei 11.101/05. Os grãos cultivados e comercializados (soja) pelo produtor rural – como na hipótese – são o produto final da atividade empresarial por ele desempenhada e, por isso, não atraem a incidência da ressalva prevista na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11 .101/2005.3. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt nos EDcl no CC: 203085 SP 2024/0052584-4, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 01/10/2024, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 04/10/2024) (Grifo Nosso) Por conseguinte, percebe-se que os grãos são penhoráveis mesmo durante o processo de recuperação judicial. Logo, tem-se que, apesar de um excelente instrumento para a recuperação financeira do produtor rural endividado, a recuperação judicial pode ser ineficaz a depender do cenário em que este se encontra. Portanto, é imprescindível que se pondere a natureza dos créditos devidos, tendo em consideração que os bens de capital apenas não podem ser penhorados por dívidas extraconcursais durante o período de blindagem e que, ainda assim, os grãos não têm recebido tal proteção ao serem considerados
Rescisão unilateral do contrato de arrendamento rural e suas consequências jurídicas: Análise do princípio da boa-fé objetiva
Como a violação da boa-fé impacta direitos e deveres no término antecipado do arrendamento rural

O contrato de arrendamento rural estabelece obrigações recíprocas entre as partes, sendo regido pelo princípio da boa-fé objetiva. A rescisão unilateral sem justa causa, acompanhada de impedimentos ao cumprimento contratual, pode configurar inadimplemento e gerar dever de indenização. O presente artigo analisa a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) sobre a matéria, destacando a aplicação dos artigos 422 e 475 do Código Civil. Além disso, discute o cabimento da consignação em pagamento como forma de evitar a caracterização de inadimplência do arrendatário. O arrendamento rural é um instrumento contratual essencial para o desenvolvimento da atividade agrícola, regulando a posse e o uso da terra entre arrendador e arrendatário. Todavia, a rescisão unilateral indevida pode ocasionar conflitos judiciais, especialmente quando há impedimento de acesso ao imóvel ou descumprimento de obrigações contratuais. Este artigo analisa as consequências jurídicas desse tipo de rescisão, com base na jurisprudência do TJ-MG e nos dispositivos do Código Civil aplicáveis. O princípio da boa-fé objetiva, previsto no artigo 422 do Código Civil, exige que as partes contratuais ajam com lealdade e cooperação. Assim, qualquer conduta que impeça o cumprimento do contrato de forma arbitrária pode ser considerada ilícita. Já o artigo 475 do Código Civil estabelece que, em caso de inadimplemento de uma das partes, a outra pode exigir o cumprimento da obrigação ou a resolução do contrato, com direito à indenização por perdas e danos. A decisão do TJ-MG na Apelação Cível n.º 00394714320158130395 ilustra essa aplicação. No caso analisado, a parte arrendadora trocou as fechaduras e impediu o acesso do arrendatário ao imóvel, configurando inadimplemento contratual e violação da boa-fé objetiva. Tal conduta justificou a manutenção da sentença que reconheceu a rescisão indevida e determinou a indenização pelos prejuízos sofridos. Nos contratos de arrendamento rural, é comum que o arrendatário realize benfeitorias para otimizar o uso da terra. Quando essas melhorias são feitas de boa-fé e agregam valor ao imóvel, surge o direito à indenização, conforme prevê a legislação civil. No caso julgado pelo TJ-MG, os arrendatários conseguiram comprovar, por meio de documentos e testemunhas, que efetuaram benfeitorias essenciais ao desenvolvimento da atividadeagrícola. Diante disso, o tribunal reconheceu o dever do arrendador de indenizar as melhorias realizadas. A consignação em pagamento, disciplinada pelo Código Civil, é um mecanismo que permite ao devedor extinguir sua obrigação quando o credor se recusa a receber o pagamento. No caso analisado, a tentativa de pagamento do valor devido foi rejeitada pelo arrendador, levando os arrendatários a efetuar a consignação judicialmente. O TJ-MG concluiu que a consignação foi realizad a corretamente e, portanto, a dívida estava quitada até a data da rescisão do contrato. A rescisão unilateral do contrato de arrendamento rural, quando acompanhada de atos que impeçam o cumprimento das obrigações contratuais, configura inadimplemento e pode gerar dever de indenização. A decisão do TJ-MG reforça a aplicação do princípio da boa-fé objetiva e destaca a consignação em pagamento como um meio eficaz de evitar a caracterização de inadimplência do arrendatário. Dessa forma, a jurisprudência fortalece a segurança jurídica nas relações agrárias, garantindo equilíbrio entre as partes contratantes. REFERÊNCIAS: BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: Apelação Cível n.º 00394714320158130395, Relator: Des. Marcos Henrique Caldeira Brant, julgado em 03/02/2025.
Impenhorabilidade da pequena propriedade rural: Limites e Preclusão Processual
Uma análise da jurisprudência e da lei frente à impenhorabilidade da pequena propriedade rural: os limites para sua alegação e o momento processual adequado para o reconhecimento do direito.

A impenhorabilidade da pequena propriedade rural é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Civil, protegendo o imóvel utilizado para a subsistência da família. No entanto, sua alegação deve ser feita dentro do processo de execução, antes da expropriação do bem, sob pena de preclusão. O presente artigo analisa os fundamentos jurídicos dessa impenhorabilidade, seus limites e o momento processual adequado para sua invocação, com ênfase no entendimento jurisprudencial que impede aalegação tardia, após a adjudicação ou arrematação do imóvel. A proteção da pequena propriedade rural é um dos mecanismos jurídicos destinados a garantir a dignidade do pequeno produtor e sua família, assegurando-lhes o direito à moradia e ao trabalho. No entanto, essa garantia não é absoluta e deve ser corretamente invocada dentro dos prazos processuais estabelecidos. O objetivo deste artigo é analisar a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, os limites para sua alegação e o momentoprocessual adequado para o reconhecimento desse direito. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XXVI, dispõe que “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva”. Complementando essa previsão, o artigo 833, VIII, do Código de Processo Civil reforça a impossibilidade de constrição desse bem. A justificativa para essa proteção reside na necessidade de garantir a subsistência do pequeno produtor e sua família, evitando que dívidas comprometam sua fonte de sustento. Essa medida se alinha ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito social à moradia. Embora a impenhorabilidade seja uma matéria de ordem pública e possa ser reconhecida de ofício pelo juiz, a jurisprudência tem consolidado o entendimento de que ela deve ser arguida dentro do processo de execução, antes da expropriação do bem. Caso não seja invocada tempestivamente, ocorre a preclusão, impossibilitando a discussão posterior. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiterado que o ato de adjudicação (quando o bemé transferido ao credor) ou de arrematação (quando há venda em leilão público) constitui o marco temporal que impede a alegação tardia da impenhorabilidade. Após esse estágio processual, a segurança jurídica exige a estabilização dos atos praticados, impedindo a anulação da alienação do bem. A perda do momento oportuno para a alegação da impenhorabilidade pode resultar em sérias consequências para o devedor, como a consolidação da transferência do imóvel a terceiros, impossibilitando sua recuperação judicialmente. Além disso, a demora na contestação pode indicar concordância tácita com a penhora, reforçando a aplicação da preclusão temporal e consumativa. A impenhorabilidade da pequena propriedade rural é um mecanismo fundamental para garantir a subsistência do pequeno produtor e sua família. No entanto, sua invocação deve ocorrer dentro dos limites processuais estabelecidos, sob pena de preclusão. O momento adequado para alegar essa proteção é antes da expropriação do bem, garantindo a segurança jurídica e evitando prejuízos irreversíveis ao devedor. A consolidação desseentendimento na jurisprudência reforça a necessidade de atenção dos envolvidos nos processos de execução para evitar a perda do direito à impenhorabilidade. REFERÊNCIAS: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre impenhorabilidade da pequena propriedade rural.