Como a Reforma Tributária impacta o setor de combustíveis: análise da Lei Complementar nº 214/2025
A nova sistemática do IBS e CBS, o regime monofásico e os efeitos sobre a arrecadação e competitividade do mercado de combustíveis no Brasil

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, bem como da Lei Complementar nº 214/2025 representa um marco na reforma tributária brasileira, visando simplificar e modernizar o sistema fiscal. Nesse sentido, o art. 156-A, §1º, inciso X da Constituição Federal dispõe que o IBS e a CBS não serão objetos “de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas nesta Constituição”. Ou seja, o dispositivo supracitado determina que, em regra, não haverá concessão de benefícios fiscais, como decorrência do princípio da neutralidade e da simplificação tributária. No entanto, apenas quando imperativos de ordem técnica decorrentes de peculiaridade de alguns setores da economia impedem, dificultam ou tornam injusta a tributação na sistemática geral do IVA, serão previstos os regimes específicos de tributação. É o caso do regime específico dos combustíveis, previsto no art. 156-A, §6º, inciso I da Constituição Federal. Vejamos: “§ 6º Lei complementar disporá sobre regimes específicos de tributação para: I – combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que: a) serão as alíquotas uniformes em todo o território nacional, específicas por unidade de medida e diferenciadas por produto, admitida a não aplicação do disposto no § 1º, V a VII; b) será vedada a apropriação de créditos em relação às aquisições dos produtos de que trata este inciso destinados a distribuição, comercialização ou revenda; c) será concedido crédito nas aquisições dos produtos de que trata este inciso por sujeito passivo do imposto, observado o disposto na alínea “b” e no § 1º, VIII;” Vê-se que a reforma tributária manteve a cobrança monofásica para combustíveis. Isso quer dizer que, a exemplo do que já ocorre atualmente com relação ao ICMS, PIS e COFINS incidentes sobre tais operações, o IBS e a CBS sobre os combustíveis somente incidirão uma única vez na cadeia produtiva. Além disso, só serão sujeitos passivos desse regime específico quem estiver no início dessa cadeia, conforme dispõe o art. 176 da Lei Complementar nº 214/2025: “Art. 176. São contribuintes do regime específico de IBS e de CBS de que trata este Capítulo: I – o produtor nacional de biocombustíveis; II – a refinaria de petróleo e suas bases; III – a central de matéria-prima petroquímica (CPQ); IV – a unidade de processamento de gás natural (UPGN) e o estabelecimento produtor e industrial a ele equiparado, definido e autorizado por órgão competente; V – o formulador de combustíveis; VI – o importador; e VII – qualquer agente produtor não referido nos incisos I a VI deste caput, autorizado por órgão competente. § 1º O disposto neste artigo também se aplica ao distribuidor de combustíveis em suas operações como importador.” No entanto, se for comprovada a existência de conluio para o não pagamento dos tributos junto com outros elos da cadeia do setor — como o distribuidor e o varejista — estes serão responsáveis subsidiariamente, de acordo com o art. 177 da mesma lei. Outro ponto que merece destaque, refere-se ao tipo de alíquota adotado. O art. 174 da Lei Complementar nº 214/2025 dispõe que as alíquotas do IBS e da CBS para os combustíveis serão “uniformes em todo o território nacional, específicas por unidade de medida e diferenciadas por produto”. Vale destacar a intenção do legislador ao assim dispor: O referido dispositivo determinou que as alíquotas serão uniforme em todo o território nacional justamente para evitar qualquer desigualdade regional. Além disso, determinou que as alíquotas serão diferenciadas por produto, pois cada produto possui peculiaridades próprias, de modo a exigir carga tributária própria. Por fim, priorizou o uso das técnicas de alíquotas ad rem, em detrimento do uso da técnica ad valorem. Nesse sentido, é conhecido na doutrina, em apertado resumo, que a alíquota ad valorem incide sobre o valor da coisa (conforme a transação), e a alíquota ad rem, por sua vez, incide sobre a própria coisa (valor fixo por unidade de medida – litro, metro cúbico, etc.). Cada alíquota tem as suas vantagens e desvantagens. A vantagem da alíquota ad valorem é sua maior transparência. Com essa técnica, a carga tributária acompanha o valor líquido do produto, o que pode ser interessante em termos de competitividade e preferência dos consumidores. No entanto, como a tributação ad valorem se baseia no preço de mercado do combustível, a arrecadação do imposto ficaria diretamente atrelada às flutuações nos preços internacionais do petróleo e da taxa de câmbio. Isso poderia causar oscilações na receita dos entes federativos, tornando a arrecadação menos previsível e dificultando o planejamento fiscal. Nesse contexto, enquanto a técnica ad valorem estaria sujeita às consequências negativas da volatilidade do setor de combustível, a alíquota ad rem, geralmente mais complexa, é mais conveniente para se blindar às oscilações cambiais (valorização ou desvalorização do real), alterações na cotação do petróleo no mercado internacional e mudanças na política de preços das refinarias. Conclui-se, portanto, que, embora a reforma busque simplificar e modernizar o sistema tributário, é essencial avaliar cuidadosamente os impactos econômicos e setoriais para garantir a competitividade do setor e mitigar efeitos adversos na economia brasileira, tendo em vista o relevante potencial de impacto indireto dos combustíveis em todos os outros setores econômicos.