A aplicação atual do Estatuto da Terra aos contratos agrários envolvendo grandes empresas do agronegócio
Análise atualizada da jurisprudência revela como os tribunais têm interpretado o direito de preferência, a renovação automática e outros institutos agrários.

Importante precedente do Superior Tribunal de Justiça, ainda no ano de 20161, decidia pela inaplicabilidade do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64) aos contratos agrários que envolvessem o que considerou serem empresas de grande porte do agronegócio. O caso concreto envolvia contrato de locação de pastagem, tido como arrendamento rural, e a matéria discutida girava em torno da existência, e exercício, do direito de preferência na aquisição da área arrendada por parte do arrendatário. A Corte, naquele ensejo, entendeu que o direito de preferência consistiria em norma de natureza protetiva estabelecida com a finalidade de oferecer amparo socioeconômico aos arrendatários e parceiros-outorgantes, polos dos contratos agrários típicos que mereceram especial atenção do legislador de 1964, dada a histórica condição de hipossuficiência que demonstravam até então. O presente artigo visa abordar como vem sendo operada a aplicação do precedente acima mencionado, em outras palavras, como os tribunais nacionais têm entendido a aplicação da lei fundamental em matéria de contratos agrários típicos, arrendamento e parceria, Estatuto da Terra, com especial ênfase no arrendamento rural e no direito de preferência, tanto na renovação do contrato quanto na aquisição do imóvel arrendado. O trabalho é realizado com base em pesquisa jurisprudencial, compreendendo os anos que se seguiram à publicação do acórdão do STJ, 2016 até o presente ano de 2025. O fulcro da pesquisa é de natureza predominantemente expositiva. Pelo que se constata até o momento atual, não houve outro precedente naquela Corte destoando do entendimento fixado há quase dez anos. Como será demonstrado, a maioria dos tribunais pátrios tem seguido a orientação da corte federal, aplicando o quanto ficou decidido por esta na matéria. De início, há acórdão do ano de 2019 proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO)2, que trata de matéria envolvendo a caracterização ou não de determinado contrato como tendo natureza de parceria agrícola. Na oportunidade, o relator, Des. Carlos Alberto França, esclareceu as diferenças básicas entre arrendamento e parceria rural, especialmente, no que diz respeito ao fato de que, no arrendamento, o que é cedido é um uso (e gozo) de caráter livre, ao passo que, na parceria, esse mesmo uso estaria vinculado à certa finalidade, como 1 STJ – REsp: 1447082 TO 2014/0078043-1, Relator.: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 10/05/2016, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2016. 2 TJ-GO 5397761-58.2018.8 .09.0051, Relator: CARLOS ALBERTO FRANÇA, 29 Câmara Cível, Data de também asseverou a questão relacionada ao pagamento do arrendador ou parceiro-outorgante, pontuando que o primeiro recebe quantia determinada de modo prévio, e o segundo recebe uma participação nos lucros e prejuízos da atividade. In casu, o imóvel rural fora cedido com a finalidade específica de cultivo de soja, havendo previsão de partilha progressiva do resultado da atividade entre as partes, entendendo, assim, o Tribunal que o acordo firmado entre as partes não possuiria o elemento fundamental da “quantia certa”, tanto em dinheiro quanto em produtos agrícolas, necessária para que o contrato fosse enquadrado como arrendamento rural. No entanto, tratando o que vem a ser de especial interesse para o presente trabalho, temos que o julgado enfrenta o tema da renovação automática do contrato de parceria agrícola. Segundo o Tribunal, não se pode falar em renovação automática em matéria de contrato de parceria agrícola com prazo determinado, não sendo, desse modo, necessária qualquer notificação com antecedência de 6 (seis) meses por parte do parceiro-outorgante, para que o contrato não seja automaticamente renovado. Nessa linha, a Corte rejeitou o pleito que visava ter o contrato celebrado entre as partes considerado como sendo de arrendamento rural, e assim renovado automaticamente, em razão da inobservância do prazo mínimo para notificação do término do contrário e prevenção da renovação automática. Além da questão associada à caracterização ou não do contrato como sendo parceria, o Tribunal fez uso do precedente de 2016 do STJ, asseverando que não seriam aplicáveis as normas de natureza “protetiva” do Estatuto da Terra em razão de ambas as litigantes possuírem a condição de grandes empresas do agronegócio, relação jurídica que, em matéria de proteções estatutárias, deve ser regida pelo princípio da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda. Com base no julgado, a renovação automática, como também o direito de preferência na renovação, teriam aquela natureza protetiva, podendo ser aplicadas apenas àqueles que realizem a exploração da atividade rural de modo direto e pessoal. Trazemos agora acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) no ano de 20213. Em particular, o acórdão enfrenta o tema da revisão de contratos de parceria agrícola e de compra e venda de cana-de-açúcar, ambos firmados por grandes empresas em recuperação judicial. Nos termos do que restou decidido pelo Tribunal, a parte autora não poderia querer se valer das vantagens (ou normas) protetivas do Estatuto da Terra, com a finalidade 3 TJ-PR – APL: 00019185720148160089 Ibaiti 0001918-57.2014.8 .16.0089 (Acórdão), Relator.: Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, Data de Julgamento: 19/11/2021, 179 Câmara Cível, Data de de limitar o preço da cana, anteriormente fixado. O que pretendia a parte que ingressou com a ação era promover o ajuste da participação do parceiro-outorgado aos percentuais previstos no Estatuto, realizando, dessa forma, uma revisão contratual com base naquele estatuto, revisão essa que restou negada, por força do entendimento da corte federal no sentido de as proteções do Estatuto não serem aplicáveis a grandes empresas do agronegócio. É interessante notar que, além do direito de preferência, da renovação automática, no julgado que ora tratamos, os percentuais de participação do parceiro- outorgante são enquadrados no âmbito das normas protetivas do Estatuto, o que amplia o âmbito de aplicação do precedente de 2016 do STJ, que enfrentou, de modo específico, a questão do direito de preferência do arrendatário na aquisição do imóvel que arrenda e torna produtivo por sua atividade empresarial. Nessa altura, colacionamos julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) de 20224, que abordou, dentre outros assuntos, a relativização da aplicação do Estatuto da Terra, tendo como base a condição de grande empresário rural que possuía

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